Os Reflexos da Saudade de Almeida Junior.
Pergunta grupo Amalia, Natalia Gregorini, Arthur, Lais e Guilherme]
O trabalho de arte comtemporânea evidencia sua complexidade para além dos materiais e do espaço envolvente da obra de modo a problematizar a exposição. Esse processo de criação exige um novo comportamento do artista que passa a interessar-se pelo contexto ampliado que indica a apresentação de seus trabalhos. Pelos simples contato com as imagens divulgadas de seu projeto “Percurso Óptico” (2005), na qual os espelhos colocados no espaço museológico fazem a obra “Saudade” de Almeida Júnior dialogar com as outras salas do museu, percebe-se esse seu comportamento investigativo do espaço do museu como um todo. Dessa forma, chegamos à seguinte questão: Na elaboração desse projeto, seu interesse pela obra de Almeida Júnior assume que grau de importância em relação ao espaço expositivo da Pinacoteca para que, enfim, possa se desenvolver?
[Considerações da artista Carla Zaccagnini]
Na realidade, não se tratava tanto de fazer a obra de Almeida Júnior dialogar com outras salas do museu, mas sim de transportar a sua imagem, por meio de um jogo de espelhos, até um outro espaço, específico e pontual, que é o octógono, área central da Pinacoteca destinada à realização de projetos de arte contemporânea. O primeiro espelho, maior, estava localizado na mesma sala onde está a pintura “Saudade”, outros dois espelhos estavam já sobre a área do octógono, em diferentes alturas, ângulos e posições, levavando o reflexo da obra até o espelho menor, fixado numa das paredes desse espaço. Com relação à escolha dessa pintura, ela se deve a uma série de fatores. Primeiramente, questões técnicas limitavam a escolha a obras localizadas em lugares que permitissem que seu reflexo passasse pelas aberturas das salas do segundo andar destinadas à exposição da coleção. Além disso, devido à distância que o reflexo teria que percorrer até chegar ao octógono e a decorrente diminuição da imagem, era importante escolher uma pintura de grandes dimensões e ainda, uma pintura que tivesse forte contraste, já que também se perde potência de luz nesse percurso. Mas, além dessas questões de ordem técnica, vale dizer que eu já tinha trabalhado com uma obra de Almeida Júnior no projeto “Restauro”, realizado para o Centro Cultural São Paulo em 2001, por tratar-se de um artista bastante importante na definição da Arte Brasileira, num momento anterior ao Modernismo. Interessa-me a relação entre personagens, cenários e luz local, por um lado, e uma forma de representação baseada em paradigmas europeus, por outro. Mas talvez a razão fundamental para essa escolha é que a obra representa uma mulher olhando uma fotografia da qual o espectador (ocupando o ponto de vista que teria sido também o do artista) só vê o verso. A relação da personagem com essa imagem, a distância entre essa imagem invisível para nós e aquilo (ou aquele) que podemos imaginar que representa, essa distância intransponível e que gera a saudade que o título evoca, reflete, de algum modo, a distância entre a obra histórica e o momento presente, entre um espaço e outro do museu, entre a pintura e sua reapresentação contemporânea, o deslocamento, enfim, que o projeto coloca em movimento.
O restauro como obra de arte.
[Pergunta do Grupo Laura, Mirelle, Priscila, Renata e Yeda]
Depois de conhecer um pouco mais de seu trabalho, levantamos alguns pontos de interesse do grupo, não conseguindo optar por um deles. Assim, enviamos abaixo duas perguntas, sinta-se à vontade para responder ambas ou apenas uma.
1) Em alguns de seus projetos como Restauro (Almeida Jr.)- 2001 e Percurso Óptico- 2005, você nos faz olhar e retomar trabalhos de períodos anteriores constituintes de um dos principais acervos de museus do Brasil formado pela Pinacoteca do Estado de São Paulo. Nesses projetos, diferentemente de outras propostas conhecidas, sua abordagem diferencia-se das demais por trazer uma reflexão acerca da fragilidade de nossa política de preservação e por concretizar, na apresentação de seus trabalhos, a exposição dessas obras referenciais. Assim, gostaríamos que você comentasse as relações que vê presentes nos possíveis diálogos entre as coleções mais antigas e a arte contemporânea, marcada pela efemeridade e desmaterialização.
2) Percebe-se que o século XX vem acompanhado, em suas últimas décadas, de uma maior atenção dedicada à Estética da Recepção que valoriza o expectador de obras de arte, o visitante de museus. Em Reação em cadeia com efeito variável– 2008, percebemos a importância assumida pelo público na construção do seu trabalho. Na entrevista concedida para Thais Rivitti por conta da 28ª Bienal de São Paulo, divulgada pelo Portal Terra, você diz que gosta de assumir a falta de controle do artista nas leituras dos projetos cuja recepção é parte fundamental do trabalho. Em que momento você se deu conta desta importância da recepção estética na construção de suas obras? De que forma esta estratégia passa a orientar a sua práxis artística?
[Considerações da artista Carla Zaccagnini]
Obrigada pelas duas perguntas. Tendo em vista que já respondi duas questões que se relacionam de diferentes formas à “reação em cadeia com efeito variável” e a participação do observador para outro grupo, vou responder a primeira das perguntas que vocês me enviaram. Em primeiro lugar, quero só fazer uma correção. “Restauro” foi feito no Centro Cultural São Paulo e se apropria de uma obra do acervo da Pinacoteca municipal de São Saulo (atualmente se chama coleção de arte da cidade), que é mantido por essa instituição. Somente “Saudade” tem como assunto uma obra da Pinacoteca do estado de São Paulo. A Pinacoteca do estado é um museu muito conhecido pela sua coleção, especialmente as obras do século XIX. Ao ser convidada para realizar uma obra no octógono, espaço destinado à arte contemporânea nessa instituição, o primeiro desejo foi o de criar uma passagem secreta entre esses dois espaços, uma dobra topológica que se operasse no espaço e no tempo, aproximando com um gesto, esses lugares dedicados a diferentes períodos históricos. “Percurso ótico” é essa passagem secreta, um jogo de espelhos que permite ver a obra histórica sem sair do lugar reservado ao contemporâneo. Esse movimento me interessa muito, a resignificação mútua entre a história e o presente. Nesse sentido, “Restauro” é muito semelhante, embora a aproximação à obra histórica seja mais invasiva, realizando uma ação que a transforma. Claro que o restauro da obra foi feito por profissionais qualificados e indicados pela instituição à qual ela pertence, mas a decisão de restaurá-la é, em si, uma interferência direta na obra. O texto publicado no folder que acompanhava a exposição fala claramente disso. O texto, baseado numa entrevista que fiz com as restauradoras, fala de questões relativas à ética do restauro, aos limites das ações de conservação, sobre a idéia de arte que há por trás desse desejo de conservação física da obra etc. Este ano (2010), para a exposição comemorativa dos 20 anos do programa de exposições do Centro Cultural São Paulo, fui convidada a expor uma obra da época da minha mostra lá (2001) e outra obra atual. O que fiz (que ainda pode ser visto no CCSP) foi re-editar o folder de “Restauro” em uma versão pb (1000 exemplares distribuídos ao público, como originalmente) e editar (como obra atual) um folder com a mesma estrutura, mas dedicado ao relato de um episódio ocorrido em 1914. Trata-se do ataque à “Vênus do espelho”, de Velazquez, realizado por uma militante sufragette chamada Mary Richardson. O folder reproduz a obra (pertencente à National Gallery de Londres) bem como uma imagem que mostra os cortes feitos na pintura com um cutelo. Dentro, onde estava o meu texto no folder de “Restauro” imprimi minha tradução da notícia de jornal no dia seguinte ao ataque (Veja o Post com o tema Ultraje na Galeria Nacional). O trabalho se chama “Ultraje”, título tirado da manchete. Acho que “Ultraje” também atua assim, não somente resignificando a ação de Mary Richardson, mas também resignificando o meu trabalho anterior, “Restauro”, ao tornar mais complexos os questionamentos presentes no texto inicial. O restauro da obra de Velazquez apagou (tanto quanto possível) um documento histórico da militância pelo voto feminino no início do século XX.
Processos de Transformação do Espaço de Exposição.
[Pergunta do grupo: Gisele, Daniele, Priscila]
Gostaríamos de conhecer a Carla artista-curadora. Assim, nossa pergunta tem pelo menos dois desdobramentos: o efêmero e o espaço de exposições do trabalho artístico. Percebemos um aspecto de efemeridade particularmente evidenciado em alguns de seus trabalhos, como por exemplo, “Uma e Três Casas (2008), e “Galeria KUNSTVEREIN” (2000-2003). Estas duas propostas intervêem no espaço expositivo de maneira a evidenciá-lo por meio de um diálogo que modifica a postura quase sempre passiva do espectador de museus. Como você pensa este diálogo entre a obra e o espaço no qual ela se situa? Como você vê a possibilidade de trabalhos efêmeros como esses serem colecionados hoje em dia?
[Considerações da artista Carla Zaccagnini]
“Galeria Kunstverein” é a segunda versão, realizada em 2003, de uma obra que eu fiz inicialmente na Galeria Adriana Penteado, em São Paulo, em 2001. O trabalho consiste em cobrir o piso do espaço expositivo com papel e fazer uma frottage com grafite de maneira a revelar, no desenho, aquilo que o suporte encobre; trazendo o rítmo dos tacos (no caso da Galeria Adriana Penteado) ou as falhas do cimento (no caso da Galeria Kunstverein de Munique) para a superfície do desenho. No decorrer das exposições, os passos dos visitantes, os caminhos repetidos, o fluxo na galeria iam ficando marcados sobre o desenhos que se tornava, assim, não somente um mapa 1:1 do espaço, mas também um registro do seu uso no tempo. “Galeria Kunstverein” foi destruído (sem o meu consentimento) ao final da exposição, mas o trabalho realizado em 2000 ainda existe, pertence ao acervo da Adriana Penteado, que fechou a galeria. Não se trata exatamente de uma obra efêmera. Claro que suas dimensões e a fragilidade do material (rasgado e sujo depois dos sucessivos passos) dificulta que ele seja colecionado, mas há obras bem menos palpáveis que são colecionadas em forma de projeto ou documentação. “Uma e Três Casas” (2008), uma referência a “Uma e Três Cadeiras” (1965) do Kosuth, está composta por duas intervenções no espaço da Galeria Vermelho. “Uma e Três Casas: projeção” é um desenho na fachada da galeria que reproduz em escala 1:1 o desenho das casas que ali existiam conforme registro do escritório de arquitetura que realizou a reforma que transformou essas três casas no prédio que hoje a galeria ocupa. “Uma e Três Casas: prospecção” é uma intervenção no verso da fachada, no segundo andar da galeria. Usando um método utilizado por restauradores de edifícios (e mão de obra especializada) abri um rasgo de 10cm de altura ao longo de toda a parede. Essa prospecção pode ser um estudo das camadas de tinta recebidas por uma determinada edificação ao longo de sua história ou, como a que fiz, uma prospecção estrutural que mostra a constituição da parede. São procedimentos normalmente é feitos em alguns pontos do prédio e não como uma linha contínua em uma parede inteira, como eu fiz na Galeria Vermelho, caracterizando um desenho que revelava no plano concreto aquilo que se via representado num desenho arquitetônico do lado externo daquela mesma parede. Nesse caso, o trabalho foi realizado para a Galeria Vermelho, partindo da história daquele edifício que a galeria ocupa, fazendo uso da prática já estabelecida da realização de trabalhos naquela fachada (e revertendo a compreensão da fachada como um elemento bidimensional ao incluir seu verso como uma segunda face do mesmo projeto), e, também, levando em consideração as demais obras que eu mostrei na exposição, várias das quais se referiam à arquitetura e à idéia de repetição e diferença (que muito tem a ver com essas três casas construídas iguais e que terminaram por transformar-se num único edifício). Não é uma obra que possa ser realizada em qualquer outro lugar. Mas acho que o relato, a memória e a documentação dessa obra a insere num acervo imaginário, que é outro tipo de coleção. Sobre como eu penso a relação entre a obra e o espaço em que ela se situa, o que posso dizer é que sempre penso nisso, mas cada vez de uma maneira diferente. A única constante é que não entendo o espaço como um ambiente físico somente, mas como um lugar com história e usos que o caracterizam tanto quanto suas dimensões, localização etc.
Diferentes Lugares e Públicos para a Arte Contemporânea.
[Pergunta do Grupo: Vitor, Natalia Ivanov, Giovana, Juliana Akemi e Mariane]
Na disciplina Estudos de Museus discutimos diversos fatores que constroem e modificam a instituição museológica ao longo dos séculos, seja por meio de aspectos históricos, ideológicos, políticos, estéticos e que, de maneira marcante, reestruturam a relação do espectador e da sociedade em geral com a obra de arte. Gostaríamos de dialogar com a Carla artista: quão válido você considera o espaço do museu contemporâneo para a aproximação do espectador e a obra de arte? Em que medida a construção de trabalhos como “Reação em Cadeia com efeito variável” (2008), elaborado por você para a 28ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo que, como outros, contam com a interferência direta do espectador, foi influenciado pela questão do espaço expositivo para a arte contemporânea?
[Considerações da artista Carla Zaccagnini]
De um modo geral, acho que os museus são espaços necessários e potentes, mas limitados. Acho que há trabalhos que não se adaptam ao espaço museológico e existem fora dele e outros que o habitam quase a contra-gosto, obrigando o museu a redefinir-se, a flexibilizar-se. Me interessa muito esse jogo de redefinições, em que o museu orienta, informa (ou, as vezes, até deforma) a leitura de uma obra e a obra, por sua vez, interfere na lógica do museu. No caso específico que você cita, acho que posso dizer que um dos pontos de partida para “Reação em Cadeia com efeito variável”, foi o interesse na Bienal em estabelecer um espaço expositivo com público ampliado em relação ao dos museus e galerias. Me interessava na Bienal, que o trabalho recebesse um número enorme de visitantes, de forma que eu experimentasse estratégias que partissem dessa característica. Deslocar o trabalho para o parque foi uma maneira de reforçá-la, colocando a obra em contato com o público ainda mais amplo que é o público do Parque Ibirapuera e testando assim, a capacidade da arte de fazer sentido ao relacionar-se com esse público. Dessa forma, o espaço onde seria exposto foi decisivo para a concepção do trabalho. Costumo trabalhar assim. Uma das coisas que estava em jogo em “Reação em Cadeia com efeito variável” era justamente essa tentativa de comunicação com um público não especializado. É claro que parte dos conteúdos da obra (em especial aqueles que se relacionam à História da Arte ou ao discurso que vai se constituindo ao unir os pontos do meu trabalho e sua relação com outras práticas da minha geração) só são lidos com um conhecimento prévio. Contudo, há também outros conteúdos que acredito, podem ser acessados ou ativados na relação direta com o trabalho.
Das Possíveis Qualidades do Público para a Arte e para o Museu.
[Pergunta do Grupo: Beatriz, Julia Llanos e Lívia]
Atualmente, os museus enfrentam grandes problemas no que se refere a atrair o grande público, de modo geral, composto por indivíduos não iniciados em Arte. Parece haver algum consenso entre os estudiosos dos museus que grande parte dos frequentadores de exposições, tanto em museus quanto em galerias ou qualquer outra instituição que a arte esteja presente, são os próprios artistas e pessoas ligadas ao mundo da Arte; o restante da população, a não ser que se contem as obrigações escolares, não demonstram significativo interesse em visitar esses espaços. As grandes exposições, atentas ao fenômeno de visibilidade garantido pela visitação pública, tendem a apostar nos formatos interativos como os mais atraentes para esse público não iniciado. Em sua instalação “Reação em Cadeia com Efeito Variável” (2008), por exemplo, exposta na 28° Bienal de Arte de São Paulo, é notável a interação pública promovida pelo trabalho. A obra só existe, só ganha vida, a partir do momento que alguém aciona os dispositivos, brinca com ela. Essa interatividade faz com que o participante desenvolva uma afetividade, por assim dizer, com a obra e obtenha então uma experiência mais profunda com o objeto de Arte. A partir de sua experiência como artista e curadora, como você avalia essa recepção da interatividade no contexto das instituições de arte? Em sua opinião, a presença de obras contemporâneas interativas pode colaborar para que os museus se tornem realmente mais atrativos?
[Considerações da artista Carla Zaccagnini]
Acredito que a idéia de participação é central para a Arte Brasileira desde o Barroco. Todos os jogos óticos, os Trompe l’oeil, já confiavam no observador para completar ou colocar em funcionamento a imagem, para estabelecer as relações entre escultura e arquitetura. Os “Passos da Paixão” em Congonhas é um exemplo claro no qual o observador (ou fiel, neste caso, ou fiel observador) vai vendo as cenas que antecedem a crucificação à medida em que vai subindo a ladeira, reproduzindo com seus passos, em seu próprio corpo, os passos do calvário e a elevação pelo sacrifício. Mais diretamente sobre a pergunta de vocês, acho que a interatividade pode ser uma estratégia interessante que possibilite ou facilite uma aproximação com o objeto artístico e seus conteúdos. Mas também pode se transformar numa ação estanque, terminando por reduzir a relação com a arte a um papel predeterminado desempenhado pelo público. Acho que uma relação rica com a arte é aquela que nos leva a repensar, a questionar, a rever nossa posição no mundo. A interatividade não é a única estratégia possível para gerar esse tipo de relação, nem é garantia de que ela se estabeleça. Também não sei se é o caso de tentar tornar os museus mais atrativos, ao menos não a qualquer custo. Acho mais interessante e importante fazer um esforço de formação, investir na educação artística curricular, por exemplo. Acho importante garantir à arte o espaço austero dos museus, como uma possibilidade não excludente. Não é toda obra que precisa da participação do espectador e é preciso garantir o espaço também para a exibição de obras que precisam de silêncio e de uma relação contemplativa ou mais intelectual. No meu trabalho há vários casos em que o público tem um papel fundamental para a construção da obra, desde a frottage do piso da Galeria Adriana Penteado (“Galeria”, 2000) em que os caminhos habituais dos visitantes iam ficando marcados no grafite; passando pela participação necessária daqueles que descreverem as vistas que resultam nos desenhos da coleção do “Museu das Vistas”; até “Abstração e Referência” (2006) nos quais os visitantes do Paço das Artes de São Paulo retiravam desenhos abstratos e referências bibliográficas do espaço expositivo para desvendar trechos de textos literários sublinhados na biblioteca da FFLCH/USP. Difícil, talvez, seja encontrar o equilíbrio entre aquilo que o trabalho oferece e aquilo que pede ao participante. Gosto muito da relação que se estabelece entre o leitor e o livro, em literatura. Há um equilíbrio incerto entre a informação que se dá e a confiança na construção que o leitor é capaz de fazer para transformar aquele texto em cenas, preencher as fisionomias, as cidades e os interiores, criar o tom e o timbre das vozes. Há uma aceitação de (ou, mais do que isso, uma aposta em) todas as possíveis variantes que um texto abre para a sua existência como imagem construida por cada leitor. Para além do texto que se desdobra, me interessa o poder que o leitor tem de parar o tempo, interromper a narrativa, dilatar ou acelerar uma ação. Sempre gostei de pensar que quando fecho um livro ele me espera, tudo nele me espera, ninguém se move. Sempre gostei desse poder compartilhado entre aquele que escreveu o que já está escrito e aquele que lhe dá movimento e permite que a história aconteça a cada vez, e de novo. Sempre quis chegar com o meu trabalho numa estrutura de poder semelhante a esse dos livros, encontrar esse equilíbrio de gangorra. Gosto de pensar que “Reação em Cadeia com Efeito Variável” é assim, como um livro fechado em espera.